MANUAL DE
YOGA
Georg Feuerstein
Cultrix, São Paulo - 1975
O Termo Yoga
É empregado com muitos sentidos no Rig Veda, o livro mais antigo dos
indo-europeus: em um sentido específico é o corpo de preceitos e técnicas
espirituais desenvolvidas na Índia, caminhos indianos de unificação ou
transformação da mente. Num sentido mais amplo, Yoga é a união com o
Transcendente, ou a compreensão da realidade transcendente.
A Essência do Yoga
Segundo o Vedanta é a união do eu ativo (ou empírico) com o Eu supremo (união
com o Absoluto).
Segundo Patanjali é a supressão dos torvelinhos da mente, quando o contemplador
(consciência pura) brilha intensamente quando isto estiver consumado.
Segundo Shankara, não sou a razão, a intuição, o ego, ou a memória; nem a
audição, o paladar, o olfato ou a visão. Eu sou Shiva na forma de Senhor da
consciência.
Yoga e Religião
O Yoga se baseia primordialmente na experiência pessoal direta do Sagrado em vez
da passividade devocional favorecida por dogmas e credos. O Yoga é uma reação
contra a especulação metafísica e o ritualismo fossilizado e vazio.
A prática de Yoga não depende de credos, pressupõe apenas a crença na existência
e valor superior de uma realidade além da personalidade humana.
Só uma pessoa para quem a auto-transcendência tenha algum significado pode
aspirar a prática do Yoga com êxito.
Yoga e Misticismo
Depende do tipo de Yoga e do tipo de misticismo. Em geral Yoga é muito mais
sistemático e experimental que o misticismo.
Yoga é um processo de introversão orientado por um mestre. É um procedimento
organizado sob condições de laboratório, onde é menor o perigo de revelações
alucinatórias.
Yoga e Xamanismo
Xamanismo representa técnicas arcaicas para alcançar estados extáticos da mente
em proveito de uma determinada comunidade. Tem raízes no período neo-paleolítico
(40 - 10 mil AC).
Yoga pretende a unificação total, ou êntase. O Yogue nunca é possuído por forças
externas ou fica sob seu domínio.
A proto-yoga do Rig Veda está mesclada com elementos xamanísticos. Fortes
tendências xamanísticas predominam nas escolas tântricas. Os Sidhis (poderes)
são claras lembranças do xamanismo.
O Yoga, na busca da auto-transcendência, vai muito além do xamanismo.
Yoga e Ciência
O Yoga é uma ciência enquanto um corpo de regras e técnicas para o estudo
experimental de certos fenômenos. A diferença básica e fundamental é que a
ciência tem orientação objetiva e o Yoga orientação subjetiva.
A ciência busca obter informações que capacitem a reconstituir intelectualmente
o segmento de realidade sob observação.
O Yoga busca a aquisição de conhecimento que habilite a construir o complexo
corpo-espírito (unificação) de modo a capacitá-lo a transcender os limites da
realidade fenomenal. Pode ser considerado uma psicologia experimental.
O caráter experimental do Yoga torna-se especialmente visível no Tantrismo, com
sua notável atitude analítica na exploração da psique humana.
Formas de Yoga
Em sua forma mais antiga, o yoga era uma prática espiritual intimamente ligada
ao ritual religioso (teorias e práticas). No processo de transmissão oral, muito
foi acrescentado, abandonado ou alterado.
O Yoga não é um todo homogêneo. Os pontos de vista e práticas variam de escola
para escola. Num sentido específico, não há apenas um Yoga, mas uma variedade de
caminhos yóguicos e abordagens com estruturas e objetivos teóricos
contrastantes. O sistema historicamente mais significante é o Yoga de Patanjali
(Raja Yoga).
São cinco os principais tipos de Yoga: Raja, Hatha, Jnana, Karma, Bhakti. Um
sexto tipo deve ser acrescentado é o chamado Yoga Integral de Sri Aurobindo, no
qual exige-se a abrangência de todos os matizes individuais de caráter e pontos
de vista.
Yoga Integral
Representa uma crítica e síntese modernas aos tradicionais sistemas de Yoga. É
uma visão sinótica dos ensinamentos da Bhagavad-Gita, dos Vedas e do Tantrismo.
No esforço de superar a unilateralidade e inaptidões das diversas formas de
Yoga, Aurobindo criou um novo sistema dinâmico, que ensina uma equilibrada
unidade de meditação e ação.
Não é o resultado de um mero estudo intelectual das antigas tradições yóguicas,
mas deve ser entendido como uma inspiração intelectualmente consolidada.
A filosofia de Aurobindo tem sido descrita como uma espécie de não-dualismo
integral: a realidade é um conjunto abrangente que vincula o universo manifesto
e Imanifesto.
O objetivo do Yoga Integral é "reencontrar a vida na verdade do espírito e, com
esse propósito, transferir as raízes de tudo o que somos e fazemos da mente,
vida e corpo para uma consciência maior superior à mente".
O Yoga Integral fundamenta-se no entendimento da vida como "um Yoga da Natureza
procurando manifestar Deus em si mesma". A natureza, então, leva consigo um
propósito e objetivo, e "o Yoga mostra o estágio em que este esforço torna-se
capaz de Auto-Percepção".
Aurobindo espera que "o Yoga cesse de parecer alguma coisa mística e anormal,
que não tenha relações com os processos comuns da Energia Terrena". O Yoga
Integral deve ter por objetivo uma ajuda ao processo natural e inevitável da
auto-transcendência na natureza.
O Yoga Integral proclama não somente uma ascensão espiritual, mas também uma
descida da mente iluminada para os domínios da natureza, que se expressa no "uso
transmutado em construtivo de algumas forças materiais como saúde, sexo,
dinheiro, posição social, poder político, etc. em direção a fins superiores da
unidade e do progresso humanos, em vez de rejeitá-las como mundanas, seculares
ou não divinas".
A ênfase do Yoga Integral incide sobre o despertar do Espírito através de meios
mais espirituais que físicos, por entender o homem mais como um "espírito na
mente" do que um "espírito no corpo".
A transformação do homem considerada por Aurobindo desenvolve-se em três
estágios: a) Transformação física, na qual o Divino está em contato com a
consciência individual; 2) transformação espiritual, que causa aquilo que é
geralmente referido como libertação; 3) transformação supramental, que
compreende a vida do ser gnóstico, levando a uma completa transformação de todo
o organismo psicossomático e mental do homem.
O objetivo do Yoga Integral é a atualização da "Supramente", que Aurobindo
define como a "consciência espiritual, agindo como um conhecimento
auto-luminoso, vontade, razão, percepção, energia, poder auto-criador e
revelador de sua própria existência".
A Supramente é o nível mais elevado de manifestação do Espírito. Os outros três
níveis da existência são, em ordem decrescente, os da mente (manas), do alento
(prana) e do corpo (deha).