PODERES
A Síntese do Yoga, parte
IV, capítulos 24 e 25 - Sri Aurobindo
Os Sentidos Supramentais
De modo a compreender a transformação supramental nós temos que realizar
primeiro que a mente é o único sentido real mesmo no processo físico: sua
dependência das impressões físicas é o resultado das condições da evolução
material, mas não uma coisa fundamental e indispensável. A mente é capaz de uma
visão que é independente do olho físico, uma audição que é independente da
audição física, e assim com a ação de todos os outros sentidos. Ela é capaz
também de uma consciência, operando pelo que parece a nós impressões mentais, de
coisas não transmitidas ou mesmo sugeridas pela mediação dos órgãos físicos, –
um abrir-se a relações, acontecimentos, formas mesmo e a ação de forças para as
quais os órgãos físicos não poderiam ter quaisquer evidências.
O sentido supramental pode agir em seu próprio poder e é independente do corpo e
da vida física e mente exterior e está acima também da mente interior e suas
experiências. Ele pode ser consciente de todas as coisas em qualquer mundo, em
qualquer plano, em qualquer formação da consciência universal. Ele pode no
estado desperto da consciência física apresentar a nós as coisas ocultas da
limitada receptividade ou além da região dos órgãos físicos, formas distantes,
cenas e acontecimentos distantes, coisas que passaram para fora da existência
física ou que não estão ainda na existência física, cenas, formas,
acontecimentos, símbolos dos mundos vital, psíquico, mental, supramental e
espiritual e todos esses em sua real ou significativa verdade tanto quanto em
sua aparência.
A supramente, em sua descida para dentro do ser físico, desperta a consciência que
suporta e forma aí a envoltória vital. Quando esta é despertada, nós não mais
vivemos no corpo físico somente, mas também em um corpo vital que penetra e
envolve o físico e é sensitivo a impactos de outra espécie, a atuação de forças
vitais em torno de nós e vindo a nós do universo ou de pessoas particulares ou
vidas grupais ou de coisas ou ainda dos planos e mundos vitais que estão por
detrás o universo material. Uma consciência desperta no corpo prânico pode ser
consciente da atmosfera vital e vital-emocional de outros e lidar com seus
intercâmbios, e também com uma multidão de outros fenômenos que não são sentidos
ou são obscuros para nossa consciência exterior.
Em um certo sentido isto é um despertar da psique, a alma interior atualmente
oculta, inteiramente impedida ou parcialmente encoberta pela atividade
superficial da mente e sentidos físicos, que traz à superfície a submergida e
subliminal consciência vital interior capaz de perceber e experienciar
diretamente, não apenas as forças vitais e sua atuação e resultados e fenômenos,
mas o mundo mental e psíquico e tudo o que eles contém e as atividades,
vibrações, fenômenos, formas, imagens mentais desse mundo também e de
estabelecer uma direta comunicação entre mente e mente sem o auxílio de órgãos
físicos e sem as limitações que eles impõem à nossa consciência.
O sentido psíquico tem também o poder de nos colocar em uma comunicação mais
direta com seres terrestres ou supra-terrestres através de seus sis psíquicos ou
seus corpos psíquicos ou mesmo com coisas, pois coisas também tem uma realidade
psíquica e almas ou presenças suportando-as que pode comunicar-se com nossa
consciência psíquica.
A mente física é apenas uma pequena parte de nós e existe uma região muito mais
considerável de nosso ser na qual a presença, influência e poderes dos outros
planos estão ativos sobre nós e nos auxiliam a moldar nosso ser externo e suas
atividades. O despertar da consciência psíquica nos capacita a nos tornarmos
conscientes desses poderes, presenças e influências dentro e em torno de nós e,
enquanto na impura ou ainda ignorante e imperfeita mente esse contacto desvelado
tem seus perigos, ele nos capacita também, se corretamente utilizado e dirigido,
a não mais ser seu sujeito mas seu mestre e chegar a uma posse consciente e
auto-controlada dos segredos interiores de nossa natureza.
Nossas mentes estão na verdade constantemente agindo e atuando sobre as mentes
de outros através de correntes ocultas das quais nós não somos conscientes, mas
não temos nenhum conhecimento ou controle desses agentes. A consciência
psíquica, à medida que se desenvolve, nos torna conscientes da grande massa de
pensamentos, sentimentos, sugestões, desejos, impactos, influências de todas as
espécies que nós estamos recebendo de outros ou enviando para outros ou
absorvendo e lançando na atmosfera mental geral em torno de nós. Torna-se
possível ser consciente, mais ou menos acuradamente e com discernimento, das
atividades de mentes quer próximas a nós fisicamente ou à distância,
compreender, sentir ou identificar-nos com seu temperamento, caráter,
pensamentos, sentimentos, reações, seja por um sentido psíquico ou uma percepção
mental direta ou por uma recepção muito sensível e freqüentemente intensamente
concreta deles, em nossa mente ou em sua superfície registradora. Ao mesmo
tempo, nós podemos conscientemente tornar pelo menos os sis interiores e, se
eles forem suficientemente sensitivos, a mente superficial de outros conscientes
de nosso próprio si mental ou psíquico interior e plásticos a seus pensamentos,
sugestões, influências ou mesmo lançá-lo, ou a suas imagens ativas em
influência, em seu subjetivo, mesmo em seu ser vital e psíquico para trabalhar
ali como um poder e presença auxiliadora ou moldante ou dominadora.
O supramental não dependerá da instrumentação, por exemplo, dos sentidos, como a
mente física é dependente da evidência dos sentidos, contudo ele será capaz de
torná-los um ponto de partida para a formas mais altas de conhecimento, como
será também capaz de proceder diretamente através dessas formas mais altas e
fazer dos sentidos apenas um meio de formação e expressão objetiva.
* * *
A Visão Supramental do Tempo
A consciência supramental do tempo será diferente daquela do ser mental, não
arrastado sem esperanças na corrente dos momentos e agarrando-se a cada momento
como uma morada e um ponto de vista rapidamente desaparecido, mas baseado
primeiro em sua eterna identidade além das mudanças do tempo, em segundo lugar
em uma simultânea eternidade do Tempo no qual o passado, presente e futuro
existem juntos para sempre no auto-conhecimento e auto-poder do Eterno, em
terceiro lugar em uma visão total dos três tempos como um movimento unicamente e
indivisivelmente visto mesmo em sua sucessão de estágios, períodos, ciclos, e
por último – e isto apenas na consciência instrumental – na evolução passo a
passo dos momentos. Ela irá portanto ter o conhecimento dos três tempos, trikaladrsti,
– sustentado antigamente como sendo um sinal supremo do vidente e
do Rishi –, não como um poder anormal, mas seu modo normal de conhecimento do
tempo. Essa unificada e infinita consciência do tempo e essa visão e
conhecimento são a posse do ser supramental em sua própria região suprema de luz
e são completos apenas nos mais altos níveis da natureza supramental.
É portanto somente retirando-se da mente física superficial para a consciência
psíquica e espiritual que uma visão e conhecimento do tempo triplo, uma
transcendência de nossa limitação ao ponto de vista e região de visão do
momento, pode ser inteiramente possível. Enquanto isso existem certas portas
abrindo-se da consciência interior para a exterior as quais constituem um
ocasional mas insuficiente poder de retro-visão direta do passado, circunvisão
do presente, previsão do futuro mesmo na mente física pelo menos potencialmente
praticável. Primeiro, existem certos movimentos da mente sensorial e da
consciência vital que são desse caráter - do qual uma espécie, aquela que tem
mais atingido nossas percepções, tem sido chamada pressentimento.
Intuição é o segundo e mais importante meio possível disponível a nós, e
realmente a intuição pode e algumas vezes nos dá nesse difícil campo uma luz e
guiança ocasional. Mas agindo em nossa presente mentalidade ela é sujeita à
desvantagem de que ela é incerta em operação, imperfeita em seu funcionamento,
obscurecida por movimentos falsos imitativos da imaginação e julgamento mental
falível e continuamente apoiada e misturada e distorcida pela ação normal da
mente com sua constante exposição ao erro.
O homem, confrontado por essa incapacidade da inteligência e ainda ávido por
conhecimento do futuro, caiu em meios outros e externos, agouro, sortilégios,
sonhos, astrologia e muitos outros dados alegados para conhecimento passado e
futuro que têm sido em tempos menos céticos formulados como ciências verídicas.
Um conhecimento psíquico mais alto nos mostra que de fato o mundo está cheio de
muitos sistemas de correspondências e índices e que essas coisas, embora muito
mal utilizadas pela inteligência humana, podem em seu lugar e sob corretas
condições dar-nos dados reais de um conhecimento suprafísico. É evidente,
contudo, que é apenas um conhecimento intuitivo que pode descobri-los e
formulá-los, – como era de fato a mente psíquica e intuitiva que originalmente
formulou esses caminhos de conhecimento verídico –, e será descoberto na prática
que somente um conhecimento intuitivo, não o mero uso seja de uma tradicional ou
uma ocasional interpretação ou de regra e fórmula mecânica, que pode assegurar
um correto emprego desses índices. De outro modo, manipulado pela inteligência
superficial, eles são passíveis de serem convertidos em uma densa selva de
erros.
O verdadeiro e direto conhecimento ou visão do passado, presente e futuro começa
com a abertura da consciência psíquica e das faculdades psíquicas. A consciência
psíquica é aquela que atualmente é freqüentemente chamada de o si subliminal, o si
sutil ou de sonho da psicologia Indiana, e sua região de conhecimento potencial,
quase infinita como foi indicado no último capítulo, inclui um poder muito amplo
e muitas formas de insight de ambas as possibilidades e as definidas
realidades do passado, presente e futuro. Sua primeira faculdade, aquela que
mais prontamente atrai a atenção, é seu poder de ver pelo sentido psíquico
imagens de todas as coisas no tempo e espaço. Como exercida por clarividentes,
médiuns e outros ela é freqüentemente, e na verdade usualmente, uma faculdade
limitada embora freqüentemente precisa e acurada em ação, e não implica
nenhum desenvolvimento da alma interior ou do ser espiritual ou da inteligência
mais alta. Ela é uma porta aberta pelo acaso ou por uma dádiva inata ou por
alguma espécie de pressão entre a mente desperta e a subliminal e permitindo a
entrada somente para a superfície ou a camada superficial da última.
Uma completa abertura da consciência psíquica nos conduz muito além dessa
faculdade de visão por imagens e nos admite não na verdade a uma nova
consciência do tempo, mas para muitos modos do conhecimento do tempo triplo. O
si subliminal ou psíquico pode trazer de volta ou projetar a si mesmo em estados
passados de consciência e experienciar e antecipar ou mesmo, embora isso seja
menos comum, fortemente projetar a si mesmo em futuros estados de consciência e
experiência.
Todos esses e uma multitude de outros poderes estão encerrados em nosso ser
subliminal e com o despertar da consciência psíquica podem ser trazidos à
superfície. O conhecimento de nossas vidas passadas, seja de estados de alma
passados ou personalidades ou cenas, ocorrências, relações com outros, de
vidas passadas de outros, do passado do mundo, do futuro, de coisas presentes
que estão além da região de nossos sentidos físicos ou do alcance de qualquer
meio de conhecimento aberto à inteligência de superfície, à intuição e
impressões não apenas de coisas físicas, mas da atuação de uma mente e vida e
alma passada e presente e futura em nós mesmos e em outros, o conhecimento não
apenas desse mundo mas de outros mundos ou planos de consciência e de sua
manifestação no tempo e de sua intervenção e atuação e efeitos sobre a terra e
suas almas encarnadas e seus destinos, permanecem abertos ao nosso ser psíquico,
porque ele está próximo dos indícios do universal, não monopolizados somente ou
principalmente com o imediato e não fechados no estreito círculo da experiência
puramente pessoal e física.
Ao mesmo tempo esses poderes estão sujeitos à desvantagem de que eles não são de
modo nenhum livres de susceptibilidade a confusão e erro, e especialmente as
regiões mais baixas e as atividades mais exteriores da consciência psíquica são
sujeitas a perigosas influências, fortes ilusões, enganadoras, pervertedoras e
distorcedoras sugestões e imagens. Uma mente e coração purificados e uma forte e
fina intuição psíquica pode fazer muito para proteger da perversão e erro, mas
mesmo a mais desenvolvida consciência psíquica não pode estar absolutamente
segura a menos que o psíquico seja iluminado e elevado por uma força mais alta
que ele mesmo e tocado e fortalecido pela luminosa mente intuitiva e este
novamente elevado em direção à energia supramental do espírito.
E não é somente aquilo que era mas aquilo que deveria ter sido ou tentado e
falhado em ser que vem a ela para fora do passado, não apenas aquilo que é mas
aquilo que pode ser ou deseja ser que se amontoa nela a partir do presente e não
apenas coisas a ser, mas sugestões, intuições, visões e imagens de muitas
espécies de possibilidades que a visitam do futuro. E sempre também existe a
possibilidade de construções mentais e imagens mentais interferindo com a
verdadeira verdade das coisas na apresentação da experiência psíquica.
E para remediar essa persistência a primeira necessidade poderia parecer ser o
desenvolvimento do poder de uma luminosa inteligência intuitiva vendo a verdade
do tempo e seus acontecimentos tanto quanto a todas as outras verdades pelo
pensamento e sentido e visão intuitivos e detectando e expulsando por sua luz de
discernimento nativa as intrusões de negligência e erro.
Existe a possibilidade do elemento de vontade ser inteiramente excluído e a
mente ser tornada um registrador silencioso e passivo de um conhecimento
luminoso mais alto, e neste caso uma recepção muito mais acurada das intuições
de tempo torna-se possível. A integralidade do ser demanda, contudo, uma ação da
vontade e não apenas um inativo conhecer, e portanto o remédio mais amplo e mais
perfeito é substituir progressivamente a vontade pessoal por uma vontade
universalizada que não insiste em nada que não é seguramente sentido por ela
como sendo uma intuição, inspiração ou revelação daquilo que deve ser de uma luz
mais alta na qual a vontade‚ una com o conhecimento.